quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Parto normal

Parto normal

Abri os olhos, senti umas pontadas já sentidas.
Os pensamentos prenhes de contração aguda de idéias.
A goela rouca, obstruída por um grave afluxo de letras.
A bolsa se arrebenta em derramamento de sentimentos.
Anestesiei-me!
As mãos saturadas de caracteres seguravam o lápis
com maioria de consoantes e desrrimadas;
E os dedos no mesmo instante espargiam vogais;
Tudo certo nos canais.
Apeteci o desligamento do cordão que elava tudo em mim.
Era a hora!
E na fadiga doce do amanhecer a minha mente
teve mais um de tantos de seus partos normais.
_Pari um poema menino!

Raquel Ordones
Uberlândia MG 

A mulinha

A mulinha

Tão pura; infante e tão feliz,
Corria nos prados, saltitante,
Elegante, empinava o nariz,
É  a coisinha mais fascinante.

Forçava as patinhas da frente,
E jogava as traseiras para traz,
Então empinava tão levemente,
Cunhada no seu espírito, a paz.

Faceira; se falasse seria prosa,
Fogosa no brincar, via as matas,
Feito pluma ela voava em patas.

Era tão delicada a cheirar a rosa,
A mulinha parecia sempre sorrir,
E jamais presumia  o seu porvir.


Raquel Ordones
Uberlândia MG 
Soneto infiel – sem métrica

O jornal

O jornal

Ali, embaixo do portão, quanta informação.
O jornal arremessado vinha dizer: Bom dia!
A política imprimia a cara na capa, podridão,
A página policial com pingo de sangue abria.


E muitos gols em fotos faziam uma festança,
Dicas de saúde, de beleza com tanta alegria,
Dólar, agronegócio, apontador da poupança,
Um desfile de modelos com tanta harmonia.


E a listagem do cartório de protesto, imensa.
Um classificado de empregos do dia anterior,
Uma receita de pudim no rodapé, que sabor!


Veio dar o seu recado, o fez de forma intensa,
Ultima página: a literatura em dicas me sorria,
Li e reli o texto em rima; densa aquela poesia. 



Raquel Ordones
Uberlândia MG 
Soneto infiel – sem métrica

Síndrome de Estocolmo

Síndrome de Estocolmo

Jogada ali naquele canto um tanto sórdido,
Entre quatro paredes mofadas e uma grade,
Uma chave na mão daquele raptor mórbido,
Em vestes escuras, aparentemente um frade.

Com medo dos berros num canto se aninha,
Treme; como se fosse desmoronar o mundo,
Ele despe-se do capuz, seu cabelo desalinha,
Os olhos dela corriam de alto a baixo, a fundo.

E crescia dentro daquele ódio, insana paixão,
O corpo arrepiava em descontrolado desejo,
A fúria nos olhos dele, numa boca sem beijo.

Água quente é o que ele oferecia na ocasião,
Um prato de comida remexida era o almoço,
Dentro dela fazia uma ventania, um alvoroço.

Raquel Ordones
Uberlândia MG 
Soneto infiel- sem métrica


Dos amores das mulheres

Dos amores das mulheres

Algumas me amaram, eu sei, sem pretensão,
Pela forma de agir, ou mesmo se declarando,
Há outras que ainda me amam, sem intenção,
São amigas que em mim vão se acumulando.

Mulheres belas visivelmente; até umas feias,
Com intenções quintas, para mim sem nexo,
Eu as respeito incondicionais em suas teias,
É...Talvez perdesse as propriedades esse sexo.

Algumas mulheres me amaram em bebedeira,
Outras em dor de cotovelo desceram do salto,
Não sei se essa é uma espécie de amor assalto.

Algumas mulheres me amaram em choradeira,
De todos esses amores, um único  me marcou,
_Mamãe, sei, para o eterno a senhora me levou.

Raquel Ordones
Uberlândia MG 

Soneto infiel- sem métrica

Flor(i)ndo

Flor(i)ndo

Desabotoam pétalas, aberturas de fragrâncias,
Gretados, os meus eus, numa florada de loucura,
Em mim se fez primavera, tão livre às distâncias,
As ventanias, as tempestades, aos raios e alturas.

E aqui brotou, ergueu por entre mim o seu galho,
E a esperança condimenta em verde sua estadia,
Primaverou, primaverei, ínfimas gotas de orvalho,
Umedecemo-nos a dimanar gozo em carne, poesia.

Movimentos sem ventos; e pelo contato se clama,
Estação de nós, perfumes, transpiração, permuta,
Guerrilhamo-nos, nos entregamos em insana luta.

Esquentados com sol da tez, abancávamos chama,
Molhados, bocas e lábios; irrompia da alma o suor,
Arrebatamento de néctar, apenas o sentimento mor.

Raquel Ordones
Uberlândia MG 

Soneto infiel- sem métrica

Minha poesia preferida

Minha poesia preferida

É... Você sempre será a minha poesia preferida,
Inda que o orbe tente me convencer do contrário,
Inda que a primavera se recuse trazer a margarida,
Inda que a palavra “amor” se exclua do dicionário.

Você sempre será minha poesia elegida e senhora,
Por mais que todos sejam avessos a minha decisão,
E pouco me importa se o mundo me lacre de fora,
Indolente se o gelo cobrir para sempre a vegetação.

Não ligo se o sol decidir se trancar e não aparecer,
Ainda que o outono faça cair  estrelas ressequidas,
Inda que o céu engula o azul e engasgue suas vidas.

Em absoluto: você será a minha poesia, pode crer,
Ainda que todas as cartas se escondam nas mangas,
Então é isso:mesmo que a chuva “chore as pitangas”.

Raquel Ordones
Uberlândia MG 

*soneto infiel – sem métrica

Não me diga que...

Não me diga que...

Nunca cometeu um erro, ainda que pequeno,
Nunca esquivou de tudo sem qualquer ferida,
Que a sua voz malogrou em estranho terreno,
Que do nada se achou com su’alma perdida.

Nunca quis seguir por uma estrada sem fim,
Nem tomou um porre para esquecer alguém,
E não me diga que o seu não nunca foi  sim,
Não me diga que nunca lesou, perdeu o trem.

Não me diga que jamais teve qualquer medo,
Não me diga que não tirou desejos do sonho,
E que nunca choramingou com jeito risonho.

E não me diga que jamais contou um segredo,
Que nunca descumpriu a palavra ou juramento,
E que ninguém jamais roubou seu pensamento.

Raquel Ordones
Uberlândia MG  


Soneto infiel- sem métrica

Pamonha

Pamonha

Em verde
Crescem amarelas.
Bonecas de loiros
Cabelos e dentes.

No ponto se remata e
Desmata;
Descasca; rala;
Sua, canseira,
Na peneira espreme,

Condimentos ao creme,
Enchem-se compotas,
Enfia-lhe o queijo,
Fazem-se laços.

Um jogo ao fogo,
Geme na panela,
Intenso manejo
Em arte o cozer.

Desamarras
Despem-nas.
Gosto que pinga,
Mordem dentes,
Roça-lhe a língua,
Em gozo de caloria
Delicia a poesia.

Sem custo
Degusto...


Raquel Ordones
Uberlândia MG 

Manifesto silente

Manifesto silente

Gritos de saudades calam na espreita,
No alvoroço de sentimento acordado,
Há um querer que ausência não aceita,
O desejo em fios por dentro é bordado.

Lágrima que dimana e flui sem tristeza,
Lábios que movem avocando pelo nome,
Queima na tez uma brasa sempre acesa,
O brado de arrepio no corpo com fome.

Implorando toques, o anseio evidencia,
Estouro de bel-prazer no canto se abafa,
O ser fala mudo:_Permita-me ser alfafa.

Falta a vista, falta carícia, sobra poesia,
É vago o encontro, vaga a troca visceral,
E é faltoso o acomodar anatômico, literal.

Raquel Ordones
Uberlândia MG  

Soneto infiel – sem métrica


Sobre meu estilo poético


Sobre meu estilo poético

Então, minha poesia é adocicada sim,
Agradecida a quem gosta e a quem lê,
E do jeito que ela vem escrevo, enfim,
Ela é simples,  às vezes tem até clichê.

Quase nunca escrevo sobre coisa triste,
Porque disso o mundo já está coalhado,
Quem sabe o meu escrever te conquiste?
Mas digo: por ele eu não mando recado.

Sou explicadinha, aprecio a seqüência,
Começo, meio e fim, em talhe pequeno,
Linhas e entrelinhas com trejeito ameno.

Figura soneto eu amo, fiz permanência,
E na contagem silábica  não me prendo,
Há quem implica, o meu escrito defendo.

Raquel Ordones
Uberlândia MG  


Soneto infiel - sem métrica

Menino de rua

Menino de rua

Não tenho voz, minha aparência emite o pedido.
Porém não dão ouvidos à minha fome, e ela dói,
A agressão mora em minha casa, agora partido,
Meu coração pede a volta; minha alma se destrói.

Quero colo, quero um ombro amigo, quero escola,
Lençol e travesseiro com fragrância de amaciante.
Que saudades eu tenho! Eu estou doido da cachola,
Eu estou tão porco, tão maltrapilho, insignificante.

Mamãe me ouça, eu te preciso e peço, por favor,
_Não me maltrate, sou pedaço de ti, e me respeite,
Quero voltar, minha ferida pede que eu não aceite.

O meu sorriso anda escondido, com tanto desamor,
As minhas lágrimas estão em diarréia; em enchente.
Mamãe me cuide; sou tão miúdo, mas eu sou gente.

Raquel Ordones
Uberlândia MG  

Soneto infiel- sem métrica


A cidade que eu moro

A cidade que eu moro

Minha cidade mistura-se ao verde e ao pôr-do-sol,
O vento varre a cabeleira das árvores, carrega perfume das flores,
E desalinha os meus cabelos; nem escolhe estações.
Há construções antigas, sépias, pedindo socorro para sobreviver
e as construções novas respiram luzes e cores.
A cidade que eu moro é uma pintura pendurada na parede do tempo, onde cada um usa o seu pincel com a cor que lhe convier.
É uma vastidão de terras, divididas e subdivididas, ora naturais, ora cobertas pelo negro piche, asfalto em suas divisórias meio fio.
Às vezes eu olho e vejo que tem até céu no chão.
Aqui, os pássaros não têm hora para cantar, às vezes na madrugada ouvem-se alguns, aproveitando o silêncio para suas declarações de amor.
Há quintais com jabuticabeiras e as mangueiras frutificam nos canteiros das ruas.
Minha cidade tem igrejas de todos os credos, pessoas de tonalidades díspares, como as flores.
O meu mundo é muito simples, quisera eu que a minha cidade fosse harmoniosa como um presépio de Natal.



Raquel Ordones
Uberlândia MG