terça-feira, 9 de março de 2021

Parnasian(d)o

 

                                                                   (imagem do Google)

“Parnasian(d)o”

 

Cerra o tempo, maré alta; extinção.

Contramão; adeus vidas, adeus terra.

Guerra infeliz, distante da visão.

Corrimão de viver; tudo se encerra.

 

Emperra pelas ruas a maldição.

Cão vindo do profundo que me aterra.

Ferra o corpo, alma seca; é intenção.

Ação laboratório; explode guerra.

 

Berra com dor, falência aspiração.

Atenção: mortos fazem uma serra.

Erra; é duvidosa a apuração.

 

Compreensão difícil; ser se enterra.

Descerra valas; flor: nada. Oração.

Vão; colapso funéreo; humilha a guerra.

 

Raquel Ordones #ordonismo

Uberlândia MG

Frialdade

 

ilustração de Lisa Aisato

Frialdade

 

Frieza é por dentro, tal qual muro.

Duro engolir fatia sobre a mesa.

Certeza do desdém, frígido; escuro.

Imaturo viver; podre essa presa.

 

Acesa não; essência sem futuro.

Impuro de si; amor é estranheza.

Tristeza reservada; sem apuro.

Furo mata retina, luz retesa.

 

Tirolesa em espinho que esconjuro.

Enduro pantanoso; só represa.

Defesa indefensável: sem o curo.

 

Inseguro e se achando uma esperteza.

Aspereza; ignorante, tão obscuro.

Muro que inibe o afeto. Tá surpresa?

 

Raquel Ordones #ordonismo

Uberlândia

 



Cílios que se cerram para sempre

 

Cílios que se cerram para sempre

 

“O dia que chegar, chegou.

Pode ser hoje ou daqui a 50 anos.

A única coisa certa

é que ela vai chegar.”

Ayrton Senna

 

Muitos são os conceitos e teorias sobre a morte, cada um a sua forma de pensar e sentir diante desse mistério.

A médica-geriatra Ana Claudia Quintana Arantes (USP) diz: “A morte está dentro da vida, não depois. É importante que você olhe para ela com toda a alegria de viver.” O filósofo francês Jean-Paul Sartre funda muito da nossa visão de que morrer é um fracasso, um escândalo, uma ideia pasmosa com a qual é impossível lidar e inútil tentar conviver: “Morrer é um absurdo”. O pensador alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) chega ao ponto de afirmar que "a morte é a musa da filosofia" e o grego Sócrates define a filosofia como "preparação para a morte". Sem a morte, seria mesmo difícil que se tivesse filosofado.

Talvez nunca saibamos a verdade para essa ocasião; ninguém jamais voltou dela em sã consciência para explanar o acontecido. O comediante Charlie Chaplin afirma: “É saudável rir das coisas mais sinistras da vida, inclusive da morte. O riso é um tônico, um alívio, uma pausa que permite atenuar a dor.”

Estudiosos se descabelam perante a profundidade desse assunto, e o que descobrem? O que já era sabido: “interrupção definitiva da vida de um organismo.”

O fato é que já nascemos sabendo disso, estudamos que o antônimo de vida é morte. E a escola dos dias vêm nos ensinando que a morte é o desligamento terreno oriundo de várias causas; e para cada uma entra em cena o médico que se especializa por ela; não para a morte.

“(...) tudo se passa como se o médico aprendesse a discorrer sobre as doenças para esquecer o fato definitivo da morte. Esse esquecimento, porém, afasta a medicina de um aspecto essencial da natureza humana: a consciência da fragilidade, a certeza da morte" (Koifman, 2001, p. 8).

Mas se já nascemos e crescemos sabendo disso, qual é a surpresa? Mario Quintana em seu poetar gauchesco, escreveu: “Esta vida é uma estranha hospedaria/ De onde se parte quase sempre às tontas/ Pois nunca as nossas malas estão prontas/ E a nossa conta nunca está em dia.”

Metaforicamente ele diz que nascemos em meio a um bando de estranhos e vamos aos poucos nos afinando a essa gente, criando vínculos, mas já com partida anunciada que ao dizer dele, zonzas por algum mal, sem estar de acordo com isso e muita coisa deixada pra depois, inclusive viver. E se estamos na vida, é justo que façamos jus a isso: viver.

O nosso maior erro é achar que a morte está lá no fim. Talvez nem seja um erro, é que não queremos nos perturbar com isso; tentamos todos os dias enganar a nós mesmos. A morte não está no amanhã; a morte está em nosso dia a dia e mais ainda no ontem.

O compositor Raul Seixas escreveu um “Canto para minha morte” (1976), onde ele entoa: “A morte, surda, caminha ao meu lado. E eu não sei em que esquina ela vai me beijar. (...) Será que ela vai deixar eu acabar o que eu tenho que fazer?”

 A cada instante temos notícias dela; sempre leva alguém consigo: conhecido, desconhecido, famoso, anônimo, rico, qualquer raça, cor, idade, sexo. Se existe algo que não tem preconceito algum é a morte.

Não entendo como não se acostumar com isso.

Alguns médicos têm dificuldades em lidar com a morte. Há sensação de impotência e dúvidas constantes: fiz certo? Tudo que estava ao alcance? Onde errei? E isso de certa forma os mata aos poucos num estado culposo. E quando o paciente é alguém cuja morte é inesperada, o estado piora. Pessoas com uma doença crônicas dão aos familiares tempo regular para preparar o momento da passagem; que ainda assim, muitas vezes não é o suficiente.

O doutor Yves de Locht é especialista em eutanásia na Bélgica, onde esse ato é legalizado. Para ele, a morte assistida "é um ato importante e difícil que tem um grande impacto emocional, eu não chamo de matar um paciente. Ele encurtou sua agonia, seu sofrimento. Eu lhe forneço o cuidado final."

Todos morreremos. Esse é um lance tão natural quanto nascer e crescer. No entanto, a ideia da finitude nos enche de terror. Como ser humano não me ‘dessensibilizei’ perante esse acontecimento tão intrínseco à vida. Entendi que é inteligente aceitar.

Há quem define a morte como sendo “O término da vida terrena de onde temos que sair, assim como chegamos, sem bens materiais algum; levando apenas o bem que fizemos as pessoas, para esse novo mundo exclusivamente espiritual.”

Concordo em parte: “O término da vida terrena” já sabemos. Quanto aos bens materiais, também. Já os bens que fizemos em vida, não tenho certeza se são levados, já que estamos em morte; esse mundo exclusivamente espiritual, não sei muito sobre. Como dito no início, ninguém em sã consciência volta para dizer isso. Levando o meu maior respeito aos “Espíritas” que professam igualmente as ideias da sobrevivência da alma, da reencarnação e do intercâmbio entre encarnados e desencarnados.

Pesquisas confirmam que “pessoas com forte grau de envolvimento religioso, independente da crença, têm menos medo da morte”, afirma a psicóloga Maria Júlia Kovácz, coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte (LEM-USP) . “A fé ajuda a superar a ansiedade em relação à idéia de finitude”, diz ela. Para o psicanalista Roosevelt Cassorla, “na religião o indivíduo convive melhor com a finitude porque lá encontra certezas sobre porque vive, morre e o que acontece após a morte.”

O máximo que tive foram sonhos em estado de sono com pessoas já falecidas, sem entender muito o que se passava e sem tirar conclusões. Nas experiências que tive com a morte é claro que sem dúvida ela levou a melhor.

Não temos direito a último pedido, sequer de barganhar ou ofertar algo. Ela vai embora simplesmente num fechar de olhos para sempre.

Acometido por um câncer estomacal e convivendo com ele quase cinco anos, certa vez meu pai disse:

_Minha filha, nunca estaremos preparados para tudo, mas a morte todos nós temos obrigação de saber lidar com ela, faz parte do nosso ciclo. Fazer de conta que ela não existe é ser bastante idiota. Ela não tem muita importância; quando estamos vivendo não tem morte e quando morremos, já não temos vida.

Não sei se ele leu isso em algum lugar ou se era mesmo da poesia que existia dentro dele. Como esquecer isso, ainda mais nesses dias tão funestos em meio a essa pandemia?

Ainda sobre o meu pai, foi quando senti a morte pela primeira vez frente a frente. Ela é incolor, inodora; não diria insípida, porque ela tem gosto de lágrimas de dor. O último pedido dele a mim foi que desse a ele água; por isso essa definição instantânea diante da morte. E quando ele tomou o primeiro gole de água, encostado no meu peito a morte fez questão do momento e fechou-lhe os olhos.

Tempos depois foi com a minha mãe. Após um grave acidente de automóvel, onde fraturou a pelve/quadril; era comum dizer que “quebrou a bacia”; fraturou a clavícula, mais corte supercílio e muitas escoriações. Depois de ficar um mês deitada só de costas, ela se reergueu com tanta força e vigor; inacreditável. Porém, logo ela se deparou com uma insuficiência respiratória, não sei se provinda do cigarro; quem sou eu para dizer isso? Me lembro dela saindo do quarto de uma unidade de atendimento intensivo, sendo levada pela médica em uma cadeira de rodas para uma sala de emergência. Peguei todos os pertences do quarto e as segui. Era logo adiante a sala mais preparada.

Por falta de profissionais da saúde, a médica me pediu ajuda para segurar a mão da minha mãe, agora não mais na cadeira, mas em uma maca. Uma pressão tão grande ali, algo inexplicável. Era como se eu já soubesse o final.

De repente a médica pede autorização para que minha mãe seja entubada; e eu prontamente disse que fizesse o que fosse melhor no momento, mas naquele momento não mais existia o melhor. A última imagem que tive, foi da médica tentando reanimar a minha mãe e a morte fazendo das linhas curvas do frequencímetro, linhas retas.

Outra vez eu de frente com a morte; impotente.

Quando o meu irmão abaixo de mim faleceu, eu não estive no mesmo espaço que a morte. Ela já havia passado por lá a três dias atrás. Ele foi encontrado em sua casa com os sintomas do desligamento já avançado, mas a morte não lhe era descartada, assim como de ninguém. O seu coração andou falhando e para o funcionamento tinha uma endoprótese expansível e muitos remédios.

Assim a morte faz suas visitas sem voltar com a mão abanando; não creio que ela fique esperando alguém se agonizar. Ela chega na hora certa como um sopro de areia em nossos olhos e um soco na alma.

Temos que ser realistas, já nascemos sabendo dela; repito. Todos iremos passar por isso, sem exceção. A aceitação não quer dizer que não sou sensível, apenas ciente. Ficamos um pouco endurecidos, às vezes as lágrimas ficam um pouco ressequidas, mas o tempo vem e amolece o que ainda é possível, nas partes em que ainda os cascos não foram criados.

Quanto ao velório, não sei e não quero saber quem inventou, acho de mau gosto. Quem supostamente está com dores na alma deveria repousá-la de imediato a despedida e liberar a matéria. Esperar parentes de longe que supostamente não se importaram com a vida é algo forçado. Carinho se dá em vida.

Talvez o luto seja o choque entre o auge do amor com o do ódio, num equilíbrio que quase estatiza, mas passa; ou sei lá...

A parte boa é que a morte não nos tira tudo; ela deixa lembranças e  saudade.

Ela não é surpresa. Só não marca hora. Temos que nos organizar pra ela também.

 

Raquel Ordones

Uberlândia MG

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Referencial Bibliográfico

 

Koifman, L. A estranheza do médico frente à morte: lidando com a angústia da condição humana – Periódicos Eletrônicos em Psicologia. 2012